Os olhos sob o olhar dos artistas

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Os olhos sob o olhar dos artistas

Monet The Water-Lily Pond and Bridge
 

Há muito tempo pesquisadores em artes tentam interpretar a forma e cores de muitos artistas sob possíveis influências de vários distúrbios oculares dos quais, possivelmente, eram portadores.


Um deles, Domenikos Theotokopoulos, mais conhecido como El Greco (1541-1614), e que viveu grande parte de sua vida na Espanha, se caracterizou por representar suas figuras extremamente longilíneas. Apesar de haver certa discordância entre os analistas, para muitos deles não restam dúvidas: El Greco devia ser muito astigmata, o que o levava a retratar objetos e pessoas muito alongadas. Na sua época já existiam óculos para corrigir vícios de refração mas não para o astigmatismo. Outros artistas também eram portadores deste mesmo erro refracional como Cranach, Botticelli, Modigliani.

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The Opening of the Fifth Seal (The Vision of St John), 1608-14 by El Greco, Metropolitan Museum of Art, New York
 

Deficiências cromáticas severas se manifestaram em obras de Charles Meryon (1821-1868) e de outros artistas de tal forma que, ao tomarem consciência da existência de tais anomalias, acabaram adotando outras formas de manifestações artísticas que não utilizassem cores.

Doenças maculares e catarata influenciaram dramaticamente a vida de muitos pintores, provocando perda de qualidade cromática e falta de definição de formas e contornos. Mary Cassatt (1844-1926), considerada por muitos a mais famosa artista norte-americana nos últimos 100 anos e muito identificada com o impressionismo, acabou por abandonar a pintura por causa da catarata. Hoje, graças aos avanços da cirurgia, muitos artistas seguem trabalhando plenamente sem muitas das seqüelas presentes no século passado.

Vincent van Gogh (1853-1890), artista acossado por uma série de enfermidades físicas e mentais, incluindo síndrome maníaco-depressiva que o acabou levando ao suicídio, é suspeito de ter sofrido intoxicação digitálica (veementemente desmentido pelo seu médico e amigo, Dr. Paul Gachet), ou tomado santonina (usado no tratamento de desordens gastro-intestinais) ou ser portador de xantopsia, que poderiam tê-lo levado à abusar do amarelo em suas pinturas.

Girassóis, Vincent Van Gogh, 1888, óleo sobre tela, 92x173cm, National Gallery, Londres.
 

Claude Monet (1840-1926) viveu os últimos anos de sua vida em permanente luta com as conseqüências da doença e de seu resultado cirúrgico. Como na época a remoção da catarata redundava na necessidade do uso de óculos com lentes bastante espessas, isto o deixou bastante frustrado e incapaz de voltar a pintar por um breve período de tempo.

Monet, o grande mestre do impressionismo, revela uma brusca mudança no seu estilo entre antes e depois da Primeira Grande Guerra. Documentos revelam que sua catarata já estava presente em 1912, e as alterações decorrentes dela e manifestadas em seus quadros são de tal ordem neste período que produzem o início de um movimento artístico que viria a ser denominado de expressionismo abstrato.

Retratando jardins e pontes em distintas épocas, nota-se claramente sinais de uma progressiva degradação da visão de Monet em conseqüência da presença de uma catarata bilateral. Num quadro datado de 1905 (The Water-Lily Pond and Bridge), ainda podemos apreciar com riqueza de detalhes toda a vegetação e o riacho por baixo da ponte coberto de flores aquáticas.

Já em outro quadro, datado de 1922 (Japanese Footbridge at Giverny), Monet revela sua visão comprometida pela catarata, com um confuso borrão de cores bastante escuras, e onde, quase por advinhação, percebe-se a presença de um jardim.

Monet The Water-Lily Pond and Bridge
The Water-Lily Pond and Bridge
monet-japanese-footbridge-at-giverny
Japanese Footbridge at Giverny
 

Inúmeros outros exemplos poderiam ser citados de artistas que tiveram o privilégio de usar e abusar de cores e formas, criar ilusões pictóricas, jogar com efeitos de luz e sombra, dar distintas texturas às suas imagens, despertando em todos nós sentimentos de alegria, tristeza, admiração, repulsa. O que mais nos surpreende, entretanto, é saber que muitos deles, mesmo com todas suas mazelas humanas, seus delírios e delinqüências, seus martírios, conseguiram deixar um legado perene para toda a humanidade de amor e respeito pelo homem e tudo o que o cerca.


Dr. Miguel Ângelo Padilha

Referências:
Marmor MF, Ravin JG: The eye of the artist, Mosby, 1997
Padilha, MA: Os olhos na arte. Universo Visual, 2005


Dr. Miguel Padilha
Dr. Miguel Padilha
Membro Titular do Conselho Brasileiro de Oftalmologia